segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Depoimento de Cazuza






Depoimentos em 1985
Cazuza - 1985


"Hoje sei que vendo meu bacalhau, mas meu lance mesmo é a poesia, que eu mastigo e vomito no público".
Playboy, março/1985


"Quando pintou o Barão eu tinha tudo para não dar certo. Nunca fui cantor, eu gostava de compor ".
Playboy, março/1985


"Meu trabalho é totalmente intuitivo. Nunca estudei canto, dança, nada... eu sou rouco: eu birito, não tenho nenhum cuidado com a voz. Não faço nenhum exercício. Meu exercício é no palco".

Eu me considero um autodidata mesmo. A mis-en-scêne, tem muita coisa que a gente imita dos outros. Pego um pouquinho ali do Caetano, um pouquinho do Ney, um pouquinho do Mick Jagger, os ídolos da gente".

"Eu acho que tenho essa ironia, esse deboche sim. É uma autodefesa, porque as pessoas são fogo mesmo. Então a gente tem que jogar um pouco com o deboche, com o cinismo para não se machucar. Mas no meu trabalho mesmo, nas minhas letras, nas minhas entrevistas, eu levo tudo bem à sério... Cantar é a coisa mais séria que eu faço, que mais me faz feliz. O trabalho é uma coisa importante. A pessoa que não encontra algo que a realize, vira uma ameba".

"Sou muito sincero e às vezes até me arrependo disso. Se estou batendo um papo com um jornalista, eu estou sendo eu o tempo todo. Não tenho uma armadura... Agora, de certa maneira, depois da entrevista da Playboy, toda entrevista que faço, acabam batendo nessa tecla do homossexualismo, da droga. É uma coisa até que resolvi não falar mais, porque aí é a minha vida particular. Agora, tudo que falei ali reforço e assino em baixo".

"Não me sinto minoria, nunca me senti... Eu tenho horror a gueto. Quero viver num mundo diferente. Quero viver num mundo em que todo mundo conviva igual... Não faria parte de um gueto, nunca. Eu não gosto de andar só com preto, só com judeu, só com viado. Eu gosto de viver é com todo mundo junto. É uma experiência que eu tenho de vida. Me sentiria muito mal em levantar bandeira de qualquer coisa que fosse muito específico, portanto não quero levantar bandeira de minorias. Acho que a coisa tem que ser maioral".

"Artista e censura são incompatíveis. O artista tem é que cantar, escrever, compor, pintar. Sei lá, acho que o papel do artista é muito ligado ao plano etéreo, ao plano da fantasia, ao plano da poesia".

"É o cúmulo prender um garoto inteligente, que faz faculdade, que é futuro do Brasil, só porque foi pego com um baseado. É um absurdo internar esse garoto num lugar onde vai ficar tomando remédio... Tem que haver leis mais liberalizantes para isso. É claro que o Brasil tem coisas muito mais sérias para resolver. Mas é uma coisa que afeta a mim que sou classe média, burguês. O que eu acho bacana na política da Democracia ocidental é isso. É pocê poder votar no cara que vai tentar resolver o seu problema mais imediato... Eu falo de cadeira porque já fui preso várias vezes. É maior a violência contra o jovem. O jovem está sempre experimentando coisas novas, que às vezes são até passageiras".
Correio Braziliense, Irlam Rocha Lima, 10/junho/1985


"Adoro quando as fãs rasgam minhas roupas. Me sinto o próprio Cauby Peixoto".
Contigo, Walterson Sardenberg e Fernando Rocha, 01/julho/1985


"O rock é a idéia da eterna juventude. Quando descobri o rock, descobri também que podia desbundar. O rock foi a maneira de eu me impor às pessoas sem ser o "gauche" - porque de repente, virou moda ser louco. Eu estudava num colégio de padre onde, de repente, eu era a escória. Então quando descobri o rock, descobri a minha tribo: ali eu ia ser aceito! E rock para mim não é só música, é atitude mesmo, é o novo! Quer coisa mais nova que o rock? O rock fervilha, é uma coisa que nunca pode parar. O rock não é uma lagoa é um rio. O rock é a vingança dos escravos. É porque não é para ser ouvido, é para ser dançado, é uma coisa tribal. Rock é simplesmente uma batucada. O rock brasileiro é fazer gracinhas, é contar piada. O que a gente tem de forte no rock brasileiro é o "agá" que a gente leva".

"O Caetano (Veloso) rebolava e fazia tudo para chocar João Gilberto. E aí, então, a gente tem que chocar os ídolos da gente".
Bizz, setembro/1985


"Eu sou muito diferente do pessoal do Barão. Sou mais velho, mais louco, mais boêmio: eles são mais saudáveis, acordam cedo, não fazem loucuras".

"Eu tenho um ego muito grande, não conseguiria dividir um palco ou um disco".

"Só as mães são felizes é uma homenagem às pessoas que vivem o lado escuro da vida, aquelas que preferiram trocar o escritório pela rua, que resolveram viver e escrever a vida".

"Eu sou capaz de viver o lixo e o luxo da vida, me sinto tão bem num botequim ou no Hippopótamus".

"Eu nunca precisei lutar pela vida, e tenho inveja de amigos meus que batalharam, passaram mal e conseguiram conquistar coisas por esforço próprio".

"Eu sou um inadimplente".

"Eu prefiro ser visto como um letrista; é mais a minha cara".
Folha de São Paulo, Marcos Augusto Gonçalves, 15/11/1985


"Eu sou o rei da declaração".

"Você é bissexual? Eu digo que sou. Quem é seu ídolo? Eu conto. É um defeito. Acabo ficando com fama de bêbado, homossexual e maluco...".

"Não tenho luxos. Não sou de beber champanha no Hippopotamus. Meu luxo é tomar um Teacher's no Baixo Leblon e comprar um papel de vez em quando".

"Supermãe perde perto dela. A do Ziraldo é penico perto da minha".

"Amor demais não atrapalha. Um filho rejeitado nunca conserta a cabeça. Um superprotegido tá limpo".

"Os jovens de hoje são bem caretas. Eu preferia ter vivido nos anos 60. Mas já que vivo na época de agora, posso pelo menos falar mal dela".

"Levo uma vida burguesa. Mas sei que o Brasil vai mal, que tem gente morrendo de fome, que o Papa é um bobo e que o comunismo não está com nada".

" Sou meio ufanista, mas a miséria, a máfia e o FMI mataram o orgulho da gente".

"Não me considero um cantor. Levo legal o meu lero. Sou afinado. Mas não passo de um letrista que canta, que gosta de palco. No palco, me sinto o cara mais gostoso do mundo. Fora dele, fico meio indeciso, perdido...".
Jornal do Brasil, Artur Xexéo, 17/11/1985


"Meu primeiro disco solo é um trabalho onde eu estou me expondo muito, quis mudar um pouco a temática. Na época do Barão Vermelho eu era tido como o letrista que cantava fossa, a dor de cotovelo... Este disco está um pouco mais para cima, tem músicas onde olho menos para o umbigo. Neste disco, eu quis fazer homenagens a poetas que gosto, está um trabalho diferente. Tem uma música bem romântica de uma separação, mas que não é dor de cotovelo. Tem músicas desesperadas, mas é um desespero mais universal, não é aquela coisa de dor a dois".

"Eu tenho vários lados. O lado escuro é um lado muito forte, porque sou muito boêmio, vivo muito de noite. Gosto muito da noite, acho que ela é um espaço, um território livre para tudo. Não sei... a noite é muito dramática, muito bonita. As pessoas que saem na noite, procuram algo que na verdade não vão encontrar, mas elas curtem a procura, aquele papo furado. Gosto muito de sol, também, de praia".

"O Rock da Descerebração foi feito para a peça UBU Rei, uma peça muito louca, porque o Jarry foi o primeiro punk, o primeiro beatinik. Ele e o Rimbaud, aquele pessoal todo do fim da virada do século que subverteram toda a caretice da época".

"Sou um cara que ouve muita música brasileira. Eu não conheço os grupos lá de fora, não conheço o rock internacional. Conheço Janes Joplin, blues, Stones, Beatles. Estou super por fora do new wave, pós-punk, etc. Sou um cara mais ligado nas coisas daqui do que nas de fora. Então, minha influência do rock veio a partir de Rita Lee, Jovem Guarda, Raul Seixas. Eu me coloco dentro de um rock que já está sendo feito há muito tempo, um rock mais genuíno".

"Acho que o sucesso é uma coisa muito perigosa. Não me deixo seduzir por ele. Eu nunca me deixei fascinar por transa de fãs me agarrando, porque sei que é uma coisa de momento... Tento ser coerente com o meu tarbalho e mais nada. Não me deixo seduzir por mordomias de sucesso: 'casacos de vison num dia, no outro trapos', tipo Billie Holiday".
Correio Braziliense, 25/novembro/1985


"Sempre fui ligado em carros e meu prazer era encher o automóvel com a turma e ir para fora. Mesmo tendo carro, desejava ganhar uma moto e ficava com um ódio dos meus pais, porque davam o contra. Hoje, não ligo para carros, nem para motos".

"Já andei fazendo análise e descobri que era apenas para entrar na moda. Alugava amigos para me escutarem e era uma coisa bem solitária. Um dia descobri como transar o sexo e, embora tenha problemas, passei a me entregar às emoções sem sentimento de culpa. Hoje posso amar uma mulher ou um homem com mais intensidade e meus pais aceitam o filho que tem numa ótima".

"Gosto muito de fazer meu mapa astral, e outro dia disseram que meu melhor período da vida ia dos 28 aos 35 anos. Esse seria o tempo de grandes acontecimentos e tudo indica que vai ser bom mesmo. Por isso, adoro previsões".

"Quando esfrento as luzes do palco, há quem jure que meus olhos chegam a ficar verdes. Me defendo com esta postura".

"Gostaria de ter uma família. Fazer a minha família, o que deve ser muito bom. Mas, não me considero capaz de dar segurança a uma família. Vivo só meu delírio e, quando me sentir forte o bastante, quero ter um filho e ser um pai legal. Os problemas do mundo existem porque os pais não deram colo para seus filhos e eu queria muito mais colinho".

"Espero que, no futuro, não esqueçam do poeta que sou. Que as pessoas não se esqueçam de que, mesmo num mundo eletrônico, o amor existe. Existe o romance e a poesia. Que mais crianças venham a nascer e é fundamental o amor aos pais".
Amiga, 04/dezembro/1985


"Quando eu era garoto, queria ser um grande arquiteto e só me interessava em ficar fazendo mapinhas da cidade, traçando ruas e desenhando edifícios. Essa mania acabou quando resolvi fazer vestibular e percebi que não dava para matemática. Como fazia mapas, fazia poesia às escondidas de meus pais, porque era um romântico, um cara cheio de dores-de-cotovelo".

"Meus pais foram muito compreensivos quando comecei a dizer em entrevistas que era bissexual. Só achavam que eu estava exagerando, me expondo, mas esse é o papel deles. Se há alguma coisa errada, é comigo. Procuro as respostas através da vida. Quando ficar velhinho e morrer, ninguém vai mais lembrar deste meu lado. Só a música vai ficar. É só isso que o público vai levar do Cazuza".

"Ser filho único, por um lado, é bom; por outro, não. Meu pai e minha mãe, por força da vida profissional, tinham que frequentar a vida boêmia - o que acabei herdando deles também - e me deixavam sempre com a minha avó materna. Ela era uma mulher fantástica, muito louca, aberta e deixou um grande buraco na minha vida quando morreu. Fiquei sozinho, sem um irmão para dividir comigo as alegrias e mágoas. Não tive coragem de me abrir com meus pais sobre minha vocação poética, porque pensava que iam dar o contra. Então, com minha avó, discutia versos, rimas. Ela foi a pessoa que mais influiu na minha infância e adolescência. Meu pai e minha mãe não eram repressores. Já aos 13 anos, tinha a chave de casa e o carro de meu pai para dirigir".

"Não consigo encontrar alguém que me entenda e, a essa altura, já não sei dividir mais nada, muito menos apartamento. Já não tenho saco pra ser cobrado de nada e dificilmente as mulheres entendem que gosto de ficar sozinho com meus versos, escutando música ou simplesmente em silêncio. Já cheguei a viver com uma e não deu certo. Sempre fui um cara certinho, sem as rebeldias dos jovens atuais. Claro que algumas vezes dava minhas fugidinhas de casa, mas sempre voltava como um bom menino".

"A minha música faz parte de uma história que começou quando o meu avô, dono de um engenho em Pernambuco, resolveu morar em cima do areal do Leblon ( Rio de Janeiro ), como terceiro morador da região. Ali nasceu meu pai, João Araujo, que se casou com uma moça linda, Lucinha, que cantava como um passarinho. Uma mulher que se tornou importante no cenário musical e que teve, numa das primeiras novelas da televisão, sua gravação da música Pelo vazio, de Cartola, incluída na trilha sonora. Gostava de vê-la cantando e penso que isso influi muito no meu futuro".
Amiga, 04/dezembro/1985


"Exagerado é um disco agressivo, mas eu acho que a gente tem que ser agressivo, porque estamos numa época muito agressiva, a direita está agressiva. Fiz análise 2 anos e tenho uma coisa edipiana mesmo, e de Electra também... a minha ligação é forte com os dois, meu pai pelo lado da vida, e com a minha mãe pelo lado mágico. Minha mãe é mais uma coisa energética, cósmica, meio louca, ela entende tudo o que eu faço, não explico mais, pro meu pai eu já explico".

"A história das drogas está na Bíblia, é o pão e o vinho, um é o alimento e o outro é a imaginação. Eu, pelo menos, sou uma pessoa que precisa disto, quero tanto o pão como o vinho, a realidade e a fantasia. Tenho respeito por todas as religiões, o candomblé, tudo...".

"O Brasil precisa de muita força de seu povo. O único país da América Latina que está com a cabeça erguida é Cuba, que fez uma revolução contra um poder enorme. A gente tá muito de cabeça baixa... FMI, o brasileiro que em N.Y. fica querendo falar inglês bem porque lá é a capital do mundo; não tem nada disso, a gente tem que ter orgulho de ser brasileiro, sul americano, ter brilho nos olhos".

"Eu não pirei com os Beatles, não dava muita importância, via como uma coisa meio histérica. Mas adorava também. Cantava Help! numa língua que inventei... Só quando pintou Caetano com Alegria, Alegria é que achei aquilo moderno. Gal cantando "a cultura, a civilização, elas que se danem..." Macalé e a 'morbideza romântica' de Wally Salomão. Rock eu conheci mesmo através do Caetano e da Tropicália, Os Mutantes, Rita Lee, Novos Baianos. Com 13 anos, eu estava lá no pier de Ipanema; ficava de tiete, de longe, tentava apresentar uns baseados pra eles, mas ninguém pedia".
Manchete, Antonio Carlos Miguel, 07/dezembro/1985

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